O impacto do Covid19 nos contratos imobiliários

1.  Introdução

A pandemia do COVID19 representou um impacto mundial nas relações contratuais, o que vem gerando inúmeras dúvidas e controvérsias.

Com o iminente risco de contaminação em massa, a população se isolou em suas residências, o que afetou diretamente os trabalhadores autônomos e as empresas. Dessa forma, parte da população ficou sem fonte de renda e as empresas que não atuam em serviços essenciais como hospitais, farmácias, supermercados, entre outros, estão com os seus estabelecimentos físicos fechados, restando limitado ou mesmo cessado o seu rendimento mensal.

O mercado imobiliário brasileiro não ficou imune a essa crise, sendo que os contratos de financiamento e também de locação de imóveis vêm sendo alvos de constantes pedidos de revisão e/ou suspensão de pagamento por parte dos clientes e inquilinos.

O Poder Legislativo não está inerte à questão e enquanto esse artigo é redigido, encontram-se em tramitação projetos de lei formulados em decorrência da pandemia do COVID19 e que visam conferir nova regulamentação para as relações e direitos nos contratos imobiliários, com destaque para o Projeto de Lei n.º 1179/2020, de autoria do Senador Antônio Anastasia (PSD/MG), que prevê a suspensão do pagamento dos aluguéis pelo período de 7 (sete) meses e a impossibilidade de se obter liminar em ação de despejo.

  • Da vigência dos contratos e da necessidade de análise individualizada dos casos

Considerando a legislação que temos disponível no momento, cabem as seguintes considerações:

  • necessário ressaltar que apesar do momento ser extraordinário, a princípio, deve prevalecer a função social dos contratos e o princípio da boa-fé (arts. 421 e 422 do CC), de modo que a obrigação de cumprir integralmente os contratos persiste, ou seja, as consequências previstas no artigo 389 do Código Civil pelo não cumprimento da obrigação (perdas e danos, juros, atualização monetária, multa, honorários) são plenamente válidas.

De modo, que devem ser analisados caso a caso, mesmo porque não são todas as pessoas que foram afetadas financeiramente pela pandemia.

Funcionários públicos, empregados com CTPS assinada e empresas que atuam em serviços essenciais, como supermercados, farmácias, entre outros, mantêm inalterada a sua fonte de renda, sendo que em alguns casos, esse rendimento até aumentou, em razão da corrida dos cidadãos para fazer estoque de alimentos e remédios em casa.

3.  Rescisão e suspensão do pagamento dos aluguéis e/ou prestações

Quanto aos que foram, de fato, afetados financeiramente pelo confinamento, a legislação brasileira regulamenta os direitos e medidas a serem tomadas em casos como esse.

Em princípio, tanto nos contratos de locação, quanto nos contratos de financiamento de imóveis, temos que a pandemia do Coronavirus se encaixe nos casos previstos no artigo 393 do Código Civil, no quais em razão de caso fortuito ou força maior, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes desses casos.

A tese é reforçada pelo artigo 396 do Código Civil, que também isenta o devedor da mora se não houve fato ou omissão imputável a este.

Dessa forma, embora a obrigação do pagamento persista por força contratual, o inquilino ou comprador poderão pleitear a rescisão do contato ou a suspensão do pagamento de alguns aluguéis, isentando-se do pagamento das penalidades resultantes da mora (juros, multa etc.).

Assim, havendo acordo no sentido de se suspender o pagamento de alguns aluguéis ou parcelas, estas deverão ser pagas em momento posterior, no prazo estipulado em acordo entre as partes, sem a incidência das penalidades, conforme explicado no parágrafo anterior.

  • fato que o comprador ou o inquilino podem não conseguir quitar estas prestações ou aluguéis devidos de forma integral, o que pode ser resolvido com nova negociação extrajudicial de parcelamento desse débito, sendo que um parâmetro recomendado é aquele previsto no artigo 916 do CPC (entrada 30% e o restante em 6 parcelas iguais), haja vista que no exercício do direito potestativo do Vendedor ou Locatário em eventual ação de execução do contrato de

financiamento ou locação (art. 784, III e VIII do CPC), esta seria a opção de parcelamento do executado/inquilino.

Vale ressaltar que os contratos de financiamento de imóveis são entendidos pelo Poder Judiciário como relações de consumo, portanto, reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor.

Portanto, impõe-se, ainda a aplicação do artigo 6º, V, do CDC, que permite ao consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos “supervenientes” que as tornem excessivamente onerosas.

A norma legal, portanto, permite a revisão dos contratos de financiamento ou o seu cancelamento, caso o comprador comprove que teve a sua realidade econômica alterada por conta da pandemia e que as prestações se tornaram excessivamente onerosas, impossibilitando o seu pagamento.

  • Da teoria da imprevisão
  • importante destacar a possibilidade da aplicação da teoria da imprevisão (rebus sic stantibus), descrita nos arts. 317 e 478 e 479 do Código Civil, visando a isenção do pagamento ou revisão do valor dos aluguéis, e ainda, a rescisão contratual no caso de locações comerciais.

O Art. 317 do Código Civil dispõe que o contrato poderá ser revisado pelo juiz quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier manifesta desproporção entre o valor da prestação devida e o momento de sua execução, visando assegurar o quanto possível o real valor da prestação.

O art. 478, por sua vez, dispõe que se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.

A aplicação encontra guarida quando, na locação comercial, o inquilino estiver impossibilitado de utilizar o imóvel em razão do fechamento do estabelecimento comercial por força do isolamento social decretado pelo Poder Público.

Nesse caso, a desproporcionalidade entre a prestação devida e o momento de sua execução se faz presente, pois o aluguel do imóvel deixa de ter valor de antes da pandemia, porque

agora está obrigatoriamente fechado, não servindo mais ao fim a que se se destina.

O desequilíbrio contratual é evidente, pois enquanto uma das partes (inquilino) está com o imóvel comercial fechado e sem possibilidade de auferir rendimentos, a outra parte (locador) fica incólume aos efeitos da pandemia, recebendo os aluguéis como se não houvesse qualquer crise.

Dessa forma, é possível pleitear judicialmente e também em acordo extrajudicial com o proprietário, que a isenção do pagamento ou a redução do valor do aluguel por alguns meses ou enquanto durar a quarentena.

Com fundamento no artigo 478 do Código Civil,

  • possível, ainda, pedir a rescisão contratual, sem quaisquer ônus ao inquilino.

A rescisão ainda pode ser evitada se o Locador oferecer ao inquilino, a possibilidade de adequar os termos do contrato, objetivando o equilíbrio entre as partes (art. 479, CC).

5.  Conclusão: negociação e a conciliação de interesses

Conclui-se, portanto, que apesar da possibilidade da judicialização, as partes devem buscar a conciliação de interesses de forma extrajudicial, mais rápida e eficaz, utilizando-se das ferramentas legais já existentes, mesmo porque, em se tratando de uma situação nova e que diversos fatores devem ser analisados, qualquer decisão definitiva do Judiciário demandará tempo demais, resultando em insegurança jurídica, sendo que o resultado pode ser prejudicial para ambas as partes.

Assim, deve prevalecer o bom senso e o Judiciário deve ficar atento aos pleitos que visam tão somente o enriquecimento ilícito e a má-fé.

Para tanto, é imprescindível que a análise dos contratos seja feita por um profissional do direito qualificado, o qual elaborará o instrumento de acordo representando a integral materialização e satisfação dos interesses das partes, restando garantida a plena segurança jurídica.

Oduvaldo José da Costa Junior, advogado, sócio do escritório Ildebrando Loures de Mendonça & Advogados