O Direito ao Esquecimento no ambiente digital

1.  Introdução

A tecnologia está cada dia mais integrada ao nosso dia a dia, tornando-se crucial para a nossa rotina e atividades diárias, tanto profissionais quanto pessoais. A internet funciona como um oráculo, de fácil acesso e informações instantâneas. Tornamo-nos ávidos e vorazes consumidores de informações, e estas são disseminadas para todo o planeta em fração de segundos. A quantidade de informações é praticamente infinita e originada das mais diversas fontes, sejam elas confiáveis ou não. As redes sociais e as diversas ferramentas de comunicação (whatsapp, telegram, Skype) são fontes inesgotáveis de propagação de informação, sem qualquer tipo de controle moderador. Em uma sociedade em que praticamente todos os atos são filmados, fotografados, catalogados e relacionados entre si, a história é escrita em tempo real.

Ressalte-se, ainda, que na sociedade atual, por vezes, ocorre a permissividade do próprio cidadão que, para aclamar a própria importância e se tornar popular, expõe a sua vida privada em espaço público, como, por exemplo, nas redes sociais.

Dessa forma, tanto acontecimentos de grande clamor social, como também acontecimentos corriqueiros, sejam eles crimes, vexames públicos, gafes em rede nacional de televisão ou na internet, enfim, qualquer tipo de fato social que gere discussão ou mesmo um motivo de piada são registrados ad eternum e podem ser veiculados mundialmente e revividos posteriormente, um número infinito de vezes.

No entanto, não se pode impingir à pessoa a pena de ter seu nome ou imagem eternamente associado a algo que lhe cause constrangimento, dor e falta de aceitação social.

Como bem definiu o Ministro Luis Felipe Salomão,

no REsp 1.335.153-RJ:

“A cláusula constitucional da dignidade da pessoa humana garante que o homem seja tratado como sujeito cujo valor supera ao de todas as coisas criadas por ele próprio, como o mercado, a imprensa e, até mesmo, o Estado, edificando um núcleo intangível de proteção oponível erga omnes, circunstância que legitima, em uma ponderação de valores constitucionalmente protegidos, tendo sempre

em vista os parâmetros da proporcionalidade e da razoabilidade, que algum sacrifício possa ser suportado, caso a caso, pelos titulares de outros bens e direitos.”

A dignidade humana deve ser sempre preservada e não pode ser relegada a segundo plano, mesmo porque,

  • um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF) e
  • considerada como uma qualidade intrínseca a todo ser humano, munido de valor idêntico, independente de origem, sexo, idade, condição social ou qualquer outra condição que tenha a palavra desigualdade.

Decorre daí o direito ao esquecimento, ou seja, o direito da pessoa de não ter mais seu nome associado a atitudes ou ações que realizou no passado e tem por objetivo evitar a disseminação da informação pessoal passada, que deixando de cumprir a sua finalidade provoque um dano à pessoa.

Ademais, as ações que realizou no passado não podem ser utilizados como parâmetro para se definir a defeitos ou qualidades de uma pessoa, a qual possui o direito de se recolocar e se posicionar dentro da sociedade, sem que a sombra de suas ações cometidas em um passado distante, pese sobre seus ombros, decorridos um certo tempo.

Júlia Gomes Pereira Maurmo, no seu estudo sobre o Direito do Esquecimento, publicado no Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1, Maio de 2017, define com maestria a importância do esquecimento para o ser humano:

“Esquecer é, pois, uma necessidade capital para o ser humano. Em primeiro lugar, porque a própria formação da memória depende da arte de esquecer. A seleção de quais informações são úteis, necessárias e significativas é imprescindível ao bom funcionamento, por exemplo, da memória trabalho, e o seu não gerenciamento adequado leva ao colapso do sistema e a patologias, como a esquizofrenia.

Em segundo lugar, porque, para além de uma necessidade fisiológica, é um imperativo emocional e social do ser humano, sobretudo, por constituir um instinto de sobrevivência: é demasiadamente humana a incessante busca da reconstrução de si mesmo, da própria

dignidade e da própria vida, através do livre desenvolvimento da personalidade, por meio de uma segunda chance, um recomeço, um perdão e uma conciliação consigo e com o outro.”

No Brasil, o direito ao esquecimento foi consagrado com a edição do Enunciado nº 531, do Conselho da Justiça Federal/STJ (VI Jornada de Direito Civil), de março de 2013, tratando do direito ao esquecimento como essencial à tutela de dignidade da pessoa humana, in verbis:

“A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”.

  • Conflito entre Direito ao esquecimento e o Direito à informação
  • necessário esclarecer que deve ser preservado também o direito à liberdade de expressão, o que é garantido pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso IV, bem como artigo 3º, inciso I da Lei n.º 12.965, de 23 de abril de 2014 (Marco Civil da Internet), bem como a preservação do direito à informação, também garantido pela CF no art. 5º, incisos XIV e XXXIII.

Por outro lado, a Lei n.º 12.965/2014 garante também o direito fundamental à privacidade e o direito à proteção dos dados pessoais, os quais são considerados princípios base da disciplina do uso da Internet no Brasil, conforme arts. 2º e 3º do Marco Civil da Internet, e ainda, os artigos 20 e 21 do Código Civil trazem a proteção à personalidade e a proteção às informações pessoais.

De modo que existe, de fato, o conflito de direitos, quais sejam, o direito à informação e o direito ao esquecimento.

No entanto, o direito ao esquecimento deixa de ser aplicado, por exemplo, em casos onde os crimes são considerados históricos, em que não for possível fazer uma narrativa desvinculada dos envolvidos.

Dessa forma, se não houver interesse público na divulgação da informação, a pessoa poderá exercer seu direito ao esquecimento, devendo ser impedidas notícias sobre o fato que já ficou no passado.

Assim ensina o Ministro Gilmar Ferreira Mendes:

“Se a pessoa deixou de atrair notoriedade, desaparecendo o interesse público em torno dela, merece ser deixada de lado, como desejar. Isso é tanto mais verdade com relação, por exemplo, a quem já cumpriu pena criminal e que precisa reajustar-se à sociedade. Ele há de ter o direito a não ver repassados ao público os fatos que o levaram à penitenciária (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 1ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 374).

Mais uma vez citamos o Ministro Luis Felipe Salomão, no REsp 1.335.153-RJ:

“Assim, não se pode hipertrofiar a liberdade de informação à custa do atrofiamento dos valores que apontam para a pessoa humana.”

3.  Direito ao Esquecimento da pessoa jurídica

O artigo 52 do Código Civil, dispõe que os direitos de personalidade se aplicam, o que couber, às pessoas jurídicas.

Dentre os direitos de personalidade, estão, o nome, a imagem ou quaisquer outros aspectos constitutivos de sua identidade.

De modo, que a honra objetiva da pessoa jurídica é também tutelada, podendo esta sofrer dano moral.

A questão é pacífica, sendo inclusive, objeto da

Súmula n.º 277 do Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe, in verbis:

“STJ Súmula nº 227 – 08/09/1999 – DJ 20.10.1999 – Pessoa Jurídica – Dano Moral. A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.

Dessa forma, havendo a tutela sobre a honra objetiva da pessoa jurídica, pode se afirmar que, para a preservação e/ou restauração dessa honra, bem como para que esta tenha a possibilidade de se recolocar no mercado para refazer o seu nome e a

sua imagem, deve ser garantido à pessoa jurídica o direito ao esquecimento.

4.  Direito ao Esquecimento no âmbito analógico e digital

A divulgação e publicidade dos dados e ações de uma pessoa se dá tanto por reportagens, filmes e livros, quanto pelos motores de busca da internet.

Ocorre que no âmbito analógico, o direito ao esquecimento regula a relação entre o indivíduo e a imprensa, ou seja, o direito alcançará as publicações físicas ou aquelas feitas por meio de transmissão de programas de televisão.

No âmbito digital, o direito ao esquecimento se firma como o direito de o usuário ter suas informações pessoais retiradas pelos buscadores da Internet.

Ressalte-se que apesar de não serem responsáveis pelo conteúdo da informação, os sites de busca da internet dão publicidade aos conteúdos em proporções avassaladoras, de modo que por meio de simples pesquisa, qualquer informação relacionada ao nome buscado é disponibilizada sem maior esforço.

A Lei n.ª 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) é fundamentada nos princípios de respeito à liberdade de expressão, aos direitos humanos, à pluralidade, à diversidade e à finalidade social da rede, estabelece princípios, garantias, direitos e deveres.

O art. 19 da referida lei regula a responsabilidade do provedor de busca ou pesquisa, pontuando será civilmente responsabilizado por danos provenientes do conteúdo gerado por terceiros nos casos em que, após uma decisão judicial, não tomarem as devidas providências para, dentro de suas possibilidades, tornar indisponível o conteúdo questionado.

O Superior Tribunal de Justiça, em diversos julgados, mantinha firme posição de que não se pode obrigar os provedores de pesquisa a eliminar de seus sistemas os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou um texto específico independentemente da indicação da URL da página.

Um dos exemplos é o REsp 1593873/SP:

“PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PROVEDOR DE PESQUISA. DIREITO AO ESQUECIMENTO.

FILTRAGEM PRÉVIA DAS BUSCAS. BLOQUEIO DE PALAVRAS-CHAVES. IMPOSSIBILIDADE. – Direito ao esquecimento como “o direito de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas que, posteriormente, fora inocentado”. Precedentes.

– Os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação da página onde este estiver inserido. – Ausência de fundamento normativo para imputar aos provedores de aplicação de buscas na internet a obrigação de implementar o direito ao esquecimento e, assim, exercer função de censor digital. Recurso especial provido. (AgInt no REsp 1593873/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/11/2016, DJe 17/11/2016)”

Mas, em decisão histórica, proferida no REsp n.º 1.660.168, cujo acórdão foi publicado em 05/06/2018), por maioria de votos, foi reconhecida a responsabilidade dos provedores de pesquisa.

No referido caso, a autora havia sido acusada pelo Conselho Nacional de Justiça de cometer irregularidades objetivando fraudar o XLI Concurso de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, sendo que posteriormente, foi devidamente inocentada pelo Plenário do CNJ.

No entanto, mesmo após o desfecho do processo administrativo, as pesquisas pelo nome da autora nos sites de busca remetiam diretamente ao referido processo, o que lhe causava danos a sua dignidade e privacidade.

Assim, ingressou com ação judicial para obrigar os sites de busca na internet a desindexar o seu nome das pesquisas referentes ao processo administrativo do CNJ.

No julgamento do referido Recurso Especial, prevaleceu o voto do ministro Marco Aurélio Bellizze, sendo reconhecido o direito da autora a obter provimento judicial obrigando os provedores de busca na internet a instalar filtros para que o processo administrativo

do CNJ não fosse apontado nas pesquisas relacionadas ao nome da autora.

O julgado representa um avanço inquestionável ao direito do esquecimento no Brasil, porquanto em seu voto, o ministro Marco Aurélio Belizze pontuou de forma clara que a decisão não se trata de afronta ao direito à informação, ou seja, não se pretende retirar resultados de pesquisa sobre notícias relacionadas a fraudes em concursos, mas sim, garantir o direito ao esquecimento da autora, relativo ao apontamento de seu nome como critério exclusivo, desvinculado de qualquer outro termo, e a exibição de fato desabonador à sua honra, divulgado há mais de dez anos.

Dessa forma, o direito à informação é preservado, pois, aqueles que quiserem ter acesso a informações relativas a fraudes em concurso público, não terão seu direito de acesso impedido, porquanto as fontes que mencionam inclusive o nome da autora permanecerão acessíveis, no entanto, a busca deverá conter critérios relativos a esse conteúdo, deixando de remeter a eles diretamente, com a simples menção ao nome da autora, preservando assim, o seu direito ao esquecimento.

5.  Conclusão

O advento da Lei n.º 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) representou grande avanço na garantia e proteção dos dados do usuário, bem como ao direito ao esquecimento, com destaque ao disposto no seu artigo 19, que impõe a responsabilidade civil aos provedores de busca ou pesquisa.

No entanto, mesmo após a histórica decisão relatada anteriormente (REsp 1.660.168 – RJ), a responsabilização dos buscadores da internet não é questão pacífica, sendo reservada “a circunstâncias excepcionalíssimas”, como bem pontuou o Ministro Marco Aurélio Belizze em seu voto vencedor.

Por outro lado, o Judiciário está atento ao modelo europeu, cada vez mais citado nos julgados e bem mais adiantado em relação aos direitos do usuário, principalmente a partir da vigência na Europa, desde 25/05/2018, da Lei de Proteção aos Dados (GDPR), a qual sedimentou o entendimento acerca da responsabilidade dos buscadores como Google, Yahoo e similares e ainda, prevê expressamente o direito ao esquecimento.

Embora tenha vigência na Europa, a GDPR regula a forma de coletar e tratar os dados europeus, razão pela qual a

lei terá influência direta também no Brasil, tendo em vista que basta que alguma empresa processar dados europeus ou fornecer serviços e produtos a europeus para que seja alcançado pela referida legislação.

Dessa forma, os padrões de processamento dos dados regulados pela GDPR estão, de certa forma, sendo impostos aos demais países, o que obrigará o Judiciário brasileiro a enfrentar questões atinentes à proteção de dados e o direito ao esquecimento de forma mais constante, aumentando a sua relevância e culminando na evolução do tema.

Oduvaldo José da Costa Junior, advogado, sócio do escritório Ildebrando Loures de Mendonça & Advogados.